terça-feira, 29 de dezembro de 2009

E para quê?



Photo by niemsz


Este blog recomeça hoje. Dois anos e meio depois, a milhares de quilómetros da Europa.

Tudo se contempla: a velocidade, o grito, a dor, o inexplicável. A fuga, a morte. O belo. Escrever este blog é um exercício individual de contemplação e escrita. Não interessa quem o escreve, nem porque o escreve, nem para quê ou para quem.

O trabalho de cada dia não deixa muito tempo para parar e escrever. E persistência foi uma virtude que nunca tive. Mas volto a escrever, porque sei que um post por dia obriga a parar, olhar e pensar. Como a oração diária para um monge ou o treino para um desportista.

É isso. Treinar-me a correr atrás dos homens. Ou da sua sombra.

Recomeço


Photo by amythyst_lake

Dois anos e meio depois, é altura de recomeçar.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Namorados bonzinhos

Já tive uma série de namorados bonzinhos. O que acontece é que os trucidei a todos.

É justamente nestas alturas que os homens bonzinhos sonham em ter uma namorada mazinha.

Máxima Universal


Photo by pmdcsb

Ah pois vai! É que não sabe o senhor doutor que era ainda muito novo... mas isto agora não chegava um Salazar... eram preciso dois!

Eu tenho dúvidas. Nestas coisas, à dúzia é mais barato.

Dúvida

Reparem como Tomé parece não ter olhos.
Aliás, nenhum dos personagens - à excepção, nem sequer muito clara, do próprio Cristo - parece ter olhos.
Ou antes, não é evidente que não os tenham, mas parecem escuros, toldados por uma dúvida, cheios de um negro indistinto.
Como se mais uma vez nos fosse dito que a fé não vem do olhar, do que se vê e se percebe.
A cena da incredulidade de Tomé é assim uma quase redundância, um exemplo um pouco enganador se não olharmos com atenção. Não podemos pensar: "Tomé viu, Tomé pôs lá a mão". A 2000 anos e uns tantos Papas Borgia-style de distância, isso torna-se irrelevante.
A incredulidade de S. Tomé, Caravaggio

O que fica, então, é outra irrelevância. A da necessidade do olhar físico. Torna-se supérfluo que Tomé tenha ou não tocado. O que não é supérfluo, isso sim, é o sinal de que Ele estava lá, independentemente do dedo ensanguentado do Tomé, da imagem que lhe terá ou não entrado pela retina.

E, mais importante, que a percepção da presença do Messias é independente do olhar do homem.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Jeu de Balle


Photo by fraggy


É curioso como o poder atrai a si a mistura humana, seja ela de origem étnica, linguística, cultural ou religiosa. Bruxelas é hoje uma cidade (como mais algumas na Europa) que se transfomou na Babel de hoje, na confusão de culturas, línguas e crenças, cada uma com um diferente grau de sedução e assimilação face às outras. E, se virmos bem, encontramos esta mistura social em todos os grupos e classes sociais, do pobre ao rico, do estudante ao funcionário comunitário.

Eu gosto da mistura, das carruagens de segunda classe nos combóios que ligam entre si estas Babéis europeias. Este fim de semana, de Bruxelas a Amsterdão, e sem me levantar da cadeira, consegui reconhecer dez línguas diferentes a passar por mim. Umas de fato e gravata, outras de túnica africana, outras de gosto a sul ou cheiro a oriente. E, dentro da mesma língua, outras tantas origens adivinhadas pelas pronúncias, pelas conversas, pelo vestir. Há uma certa ternura nesta humanidade baralhada e voltada a dar pelo Criador. Ao mesmo tempo, contudo, há uma nota de tristeza nos olhares, uma ausência do espaço primitivo, uma falta de confiança no que partilha o espaço em que habito. Como se olhássemos uns para os outros com uma distância que mina a Babel, um prenúncio da Confusão que deixará a Cidade a meio.

O mercado humaniza tudo isto. Não o mercado selvagem, o capitalismo onde só há lugar para a derrota e para a vitória, onde o perdedor é feito excluído e transformado em número. Mas o mercado no seu sentido antigo, medieval, mediterrânico. A feira é o local de encontro das vontades reais e simuladas, das pessoas e dos afectos, dos afectos e das coisas que passam de mão.

Sinto-me mediterranicamente bem no Jeu de Balle. Ponto de encontro do árabe, do congolês, do flamengo à volta das coisas preteridas e encontradas, dos objectos que morreram para uns e ganham vida nos outros. O direito ao mercado é das mais belas invenções dos homens. Às vezes penso que gostava de ganhar a vida de forma simples, de trocar coisas pelo meu sustento, de ter o meu pano no chão, o meu banco e os meus caixotes, de obter o meu pão no meio da confusão das coisas e dos homens.

É na feira que a Babel ganha sentido.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Navio que partes


Photo by pmdcsb

Navio que partes para longe,
Por que é que, ao contrário dos outros,
Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?
Porque quando te não vejo, deixaste de existir.
E se se tem saudades do que não existe,
Sinto-a em relação a cousa nenhuma;
Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade.

Alberto Caeiro 29-5-1918

Party


One by one, the guests arrive
The guests are coming through,
The open-hearted many
The broken-hearted few
And no one knows where the night is going
And no one knows why the wine is flowing


Leonard Cohen





Photo by pmdcsb

A cidade





Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.

Ary dos Santos, cantado por José Afonso














Photo by pmdcsb

A transmutação do mal

Há dias falavam-me sobre a revolução violenta praticada pelos grupos europeus de extrema esquerda da segunda metade do século XX - Brigadas Vermelhas, Baader-Meinhof - entre outros.
O mais paradoxal é o modo como este tipo de actuação leva forçosamente à total desumanização do agente. O revolucionário torna-se num agente justiceiro, correctivo, aplicador de uma espécie de justica distributiva negativa. Mas de uma forma estranha. Como se, introduzindo no mundo uma determinada dose de mal e de sofrimento fosse possível atingir um quociente total superior, uma justiça global melhorada. O terrorista torna-se assim num agente messiânico com capacidade para julgar e condenar. Um homem que se permite desigualar espiritualmente os homens, julgar sobre o valor da vida e, na essência, transmutar o mal em bem.
E entristece muito que, ainda hoje, assistamos a alguma complacência de certos sectores da esquerda europeia face a este modo de pensar.

A flor que desabrocha

Homo natus de muliere brevi vivens tempore repletus multis miseriis. Quasi flos egreditur et conteritur et fugit velut umbra et numquam in eodem statu permanet.



O homem nascido da mulher tem vida curta mas cheia de misérias. É como uma flor que desabrocha e murcha,uma sombra que foge sem parar.
Job, 14 1-2
Photo by pmdcsb

A flor que desabrocha. Por vezes tomo consciência de que o prazer possível está na contemplação da vida breve, do esplendor dos pequenos momentos, na ternura do olhar apaixonado e compadecido sobre o agitado tempo dos homens. A fé é tomar o olhar de Deus sobre todas as coisas e fazê-lo nosso.

Dia limpo

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.


Sophia